Como Gerir a Dor, Lesões e o Treino em Adolescentes – Parte 3/3

12 - minutos de leitura Publicado em Prescrição de Exercício
Escrito por Steven Collins info

Introdução

Este é o último blog da minha série de três partes sobre a gestão de crianças e adolescentes, e abordará as condições mais comuns observadas na clínica. No final, há também um exemplo de caso prático bem estruturado. Se ainda não viste a parte 1 e a parte 2, recomendo que o faças, pois elas estabelecem as bases antes desta seção final.

Vamos encerrar este tema!

Condições Comuns: Diagnóstico e Tratamento

 

Apofisite

O grupo de condições mais comum entre crianças e adolescentes.

Fisiopatologia

O crescimento rápido dos ossos longos durante a fase de maior velocidade de crescimento (PVH – Peak Velocity Height) causa um stress por tração nas inserções proximais ou distais dos tendões dos músculos adjacentes.

Tratamento

O tratamento mais comum para a apofisite envolve repouso relativo das atividades que agravam a condição, que geralmente são contrações musculares cíclicas, moderadas a intensas, em comprimentos musculares longos. Muitas vezes, o profissional de saúde que acompanha o caso pode prescrever um curto período de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) em conjunto com os tratamentos conservadores mencionados abaixo. A manutenção da força física, da aptidão e da participação em atividades significativas dentro dos limites da dor também é essencial.

Prognóstico

De maneira geral, o prognóstico da apofisite é bom, com resolução aguda dos sintomas em algumas semanas até dois meses. No entanto, a recorrência pode ocorrer até que a apófise esteja completamente fechada. É importante destacar que ignorar os sintomas e continuar a atividade “jogando com dor” aumenta o risco de fratura por avulsão, o que pode levar a um período de imobilização e possíveis impactos no crescimento. Infelizmente, algumas apofisites, como a doença de Osgood-Schlatter, podem continuar a causar sintomas por anos após a apresentação inicial ou até mesmo após o fechamento da apófise (1,2,4). Abaixo, aprofundarei algumas das principais apofisites.

Doença de Iselin

Apofisite do quinto metatarso causada pela tração dos músculos fibulares (curto e terceiro). O uso de calçados com sola rígida ou uma bota imobilizadora (moon boot) é o tratamento mais comum, juntamente com as abordagens mencionadas anteriormente. O fortalecimento sem dor do pé e da panturrilha deve ser o foco principal.

Doença de Sever

Apofisite da tuberosidade do calcâneo, causada pela tração do tendão de Aquiles e/ou da aponeurose plantar. O uso de bandagens, palminhas para o calcanhar e compesações para o calcanhar demonstrou diferentes níveis de eficácia na redução da dor após a atividade e deve ser testado com base no raciocínio clínico, permitindo a participação contínua em algumas atividades. Em casos mais graves, pode ser necessário o uso de órteses. O fortalecimento progressivo e o alongamento do complexo da panturrilha dentro de uma amplitude sem dor são estratégias úteis (1-3).

Doença de Osgood-Schlatter / Doença de Larsen-Johansson

Apofisite da tuberosidade tibial ou do polo inferior da patela devido à tração do tendão patelar. Essa condição está frequentemente associada a movimentos de salto e/ou uso excessivo da articulação, e o tratamento com fortalecimento e alongamento do quadríceps é fundamental. Conforme mencionado anteriormente, em 50% dos atletas, esta condição não é autolimitada, ou seja, os sintomas podem persistir mesmo após o fechamento da apófise. Assim, é essencial desenvolver um plano para manutenção progressiva da capacidade funcional ao longo do tempo, geralmente abrangendo toda a continuidade da reabilitação. Para um aprofundamento maior, o Dr. Teddy Willsey abordou este tema na edição de novembro de 2020 do Physio Network Research Reviews, que pode ser encontrada aqui (4,5).

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Apofisite Relacionada ao Quadril

Existem sete locais possíveis de lesão apofisária na região do quadril e pelve: tuberosidade isquiática (isquiotibiais/adutor magno), sínfise púbica (grupo dos adutores), trocânter menor (iliopsoas), trocânter maior e crista ilíaca (grupo dos glúteos), espinha ilíaca ântero-inferior (reto femoral) e espinha ilíaca ântero-superior (sartório). Essas lesões são mais comuns em atividades que envolvem corrida em alta velocidade, dança, chutos e mudanças bruscas de direção. Devido às altas forças de impacto envolvidas nesses desportos, a suspeita clínica de avulsões é maior (1).

Cotovelo do Pequeno Jogador de Beisebol (Epicôndilo Medial)

Essa condição ocorre devido à tração excessiva sobre o epicôndilo medial durante o movimento rápido de rotação dos flexores do antebraço e do ligamento colateral medial ao arremessar. É muito comum em desportos como beisebol, onde recomendações específicas incluem a limitação do número de arremessos, a redução da velocidade nos lançamentos e a prevenção da prática combinada de arremessar e atuar como receptor. Novamente, devido à alta carga de impacto no movimento de arremesso, há um risco aumentado de fraturas por avulsão, e a reabilitação deve incluir progressão ao longo do contínuo pliométrico (1,2,6,7).

 

Osteocondrose

Essa condição é rara e resulta de uma interrupção temporária no suprimento sanguíneo da articulação, em vez de ser causada por forças de tração. É sempre atraumática e geralmente ocorre após um período de sobrecarga. Meninos são 4 a 5 vezes mais propensos a serem afetados do que meninas. Abaixo estão as formas mais comuns encontradas na prática clínica.

Tratamento

Essas condições requerem monitoramento frequente, muitas vezes com exames de imagem repetidos (raios-X ou ressonância magnética) para garantir que não evoluam para necrose avascular.

Prognóstico

Em geral, essas condições resolvem-se espontaneamente ao longo do tempo. No entanto, se os sintomas persistirem por mais de seis meses, é recomendada uma avaliação ortopédica.

Doença de Legg-Calvé-Perthes (LCPD)

Embora rara, a LCPD é a osteocondrose mais comum observada na clínica. Essa condição é caracterizada pela interrupção da vascularização que supre a superfície condral e o osso subcondral da cabeça femoral. Embora seja uma condição autolimitada, ela segue um curso evolutivo característico. Outras formas de osteocondrose apresentam os mesmos estágios, mas geralmente com um tempo de evolução mais curto.

  • Estágio inicial: ocorre insuficiência vascular, levando a alterações escleróticas iniciais. Edema ósseo e labral são indicativos desse estágio nos exames de imagem (semanas a meses).
  • Fragmentação: o organismo tenta reparar a cabeça femoral removendo o osso danificado, o que frequentemente resulta no achatamento da cabeça femoral (6 meses a 1 ano).
  • Reconstituição: o osso morto é completamente removido e a cabeça femoral começa formar-se novamente (<3 anos).
  • Estágio residual: a cicatrização óssea é finalizada, embora muitas vezes com uma forma irregular (mais de 3 anos). Aproximadamente 50% dos pacientes desenvolvem osteoartrite e podem necessitar de substituição do quadril aos 50 anos.

A LCPD é mais comum em crianças entre 4 e 8 anos, com uma razão de prevalência de 5:1 entre meninos e meninas. Apresenta-se como dor no quadril e no joelho, geralmente acompanhada de uma marcha claudicante. Crianças nesse grupo etário que apresentem rotação interna femoral reduzida ou discrepância funcional no comprimento dos membros inferiores devem ser tratadas conservadoramente como portadoras de LCPD até que o diagnóstico seja esclarecido. O tratamento precoce reduz a progressão das alterações escleróticas e melhora a evolução da doença. É importante ressaltar que a carga excessiva na articulação pode comprometer a cicatrização final do osso após a resolução dos estágios da condição (1,8).

Outras

Doença de Freiberg – afeta a cabeça do metatarso; Doença de Köhler – afeta o osso navicular; Doença de Panner – afeta o capítulo do úmero.

 

Lesões por Stress Ósseo (BSI)

Essas lesões geralmente resultam do aumento da carga de treino em tarefas repetitivas, deficiência relativa de energia e alterações biomecânicas/neuromusculares durante o pico de velocidade de crescimento (PHV) (8). A ocorrência pode chegar a 21% nas extremidades inferiores e na coluna lombar, sendo mais prevalente em desportos de alto desempenho que apresentam fatores de risco específicos. Exemplos disto incluem: altura elevada, alta carga de arremesso e forças rotacionais em jogadores de críquete rápidos, ou baixo peso corporal e alta frequência e intensidade de extensão lombar em ginastas, as mesmas características antropométricas com altos volumes de carga sobre os metatarsos em bailarinos clássicos (9,10).

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Apresentação

A lesão por stress ósseo (BSI) manifesta-se com um início gradual de dor ao suportar peso, que pode persistir mesmo após a interrupção da atividade. Outros sinais incluem alteração na amplitude de movimento articular, sensibilidade à palpação e vibração, e, nas articulações mais superficiais, sintomas inflamatórios evidentes.

Tratamento/Abordagem

A BSI requer sempre repouso relativo e redução da carga da atividade desencadeante para permitir a cicatrização óssea e a consolidação. Como a causa subjacente está relacionada à recuperação inadequada e ao remodelamento ósseo insuficiente após cargas repetidas, é fundamental equilibrar os ciclos de stress e recuperação para obter a adaptação desejada. Isso inclui intervenções biomecânicas, como gestão da carga, modificação da técnica e fortalecimento dos fatores stressores. O lado da recuperação deve ser abordado por uma equipe multidisciplinar, considerando também fatores nutricionais, sono e controle do stress (9).

Prognóstico

O tempo médio de retorno ao desporto após uma BSI é de 12 a 13 semanas, variando entre 6 a 30 semanas, dependendo da localização e gravidade da lesão. Em geral, quanto mais jovem a criança em relação ao fechamento epifisário (média de 14 anos para meninas e 16 anos para meninos), mais rápido será o tempo de cicatrização da fratura (9,11).

As áreas mais frequentemente afetadas são:

  • Perna inferior (40,3%) – Lesões por stress tibial
  • Pé (34,9%) – Lesões por stress nos metatarsos
  • Coluna lombar/pelve (15,2%) – Lesões por stress na pars interarticularis e sínfise púbica (9)

 

Tecidos Moles e Condições Não Específicas

Agrupei todas as condições que envolvem tecidos moles (músculos, ligamentos, tendões) e condições não específicas (dor patelofemoral, dor subacromial, etc.), pois o manejo pediátrico não apresenta grandes particularidades nesses casos. O pico de velocidade de crescimento (PHV) deve ser levado em consideração devido ao seu impacto na biomecânica e no controle neuromuscular. A intervenção será, em grande parte, voltada para ajudar a criança a recuperar força e controle sobre o seu corpo em crescimento, enquanto a sua participação desportiva pode ser temporariamente modificada. É importante destacar que a dor anterior no joelho em adolescentes atletas não é tão inofensiva e autolimitada quanto se pensava, com muitos adolescentes ainda a apresentar dor inespecífica no joelho por até 5 anos após o diagnóstico inicial (12,13).

Em geral, um programa de força e condicionamento apropriado para a idade, com duração de 10 a 15 minutos, realizado 2 a 3 vezes por semana, funciona como uma intervenção preventiva eficaz, conforme demonstrado em diversos desportos (14,15).

Estudo de Caso

Vamos consolidar tudo isso com um estudo de caso!

  • Condição – Doença de Osgood-Schlatter / Entesopatia da Tuberosidade Tibial
  • Idade – 9 anos (pré-PHV)
  • Estágio de Treino – Fase de Fundamentação

Modificação da Atividade

Algumas semanas afastado dos treinos desportivos podem ser benéficas. Manter atividades lúdicas com amigos e familiares, desde que sem dor.

Força

  • Exercícios de isometria como wall sits sem volume pré-definido.
  • Tornar a atividade um jogo (exemplo: quantos passes de bola, arremessos de basquete ou toques no balão consegue fazer antes de cair? Envolver família e amigos).
  • Ensinar o padrão de movimento do agachamento com o peso corporal.

Controle Neuromuscular Específico ao Dsporto

  • Drills de técnica de aterragem em formato de brincadeira (exemplo: criança sentada numa cadeira, segurando saquinhos de feijão, fingindo ser uma galinha chocando ovos; depois, arremessar uma bola para pegar e sentar rapidamente nos seus ovos, mas com controle).
  • Manutenção de corridas e passes de bola com baixo volume e carga leve.

Como essa abordagem mudaria para um paciente de 16 anos (pós-PHV) com Osgood-Schlatter?

Estágio de Treino:

Treinar para Competir

Modificação da Atividade

  • Treino específico modificado.
  • Limitação de treino de alta intensidade e volume para membros inferiores.
  • Utilização de modalidades alternativas de treino cruzado (natação, ciclismo, etc.) para manter o condicionamento físico.

Força

  • Implementação de protocolos de treino de força com alta cadência para quadríceps.
  • Ajuste do volume de treino com maior foco em movimentos de dobradiça do quadril.

Alongamento / Exercícios Excêntricos

  • Avaliação da prontidão para introduzir carga excêntrica, (exemplo: Nordic invertido)

Controle Neuromuscular Específico ao Desporto

  • Desenvolvimento de padrões de movimento específicos do desporto e progressão no continuum pliométrico.
  • Introdução de exercícios específicos para corrigir padrões biomecânicos inadequados, transformados em desafios/jogos (exemplo: drills com bola ou exercícios de perturbação baseados em posições atléticas desejadas).

 

Conclusão

Com isso, concluímos a parte 3! Esta série de três artigos abordou as diferenças fundamentais no tratamento de crianças e adolescentes. Na parte 1 – Desenvolvemos o crescimento e sinais de alerta pediátricos. Na Parte 2 cobrimos as considerações específicas no planeamento do tratamento. Por fim fizemos a aplicação prática a condições comuns na clínica, com um estudo de caso.

Espero que esta série tenha sido útil para ti!

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